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ao meu amigo Luís Calheiros, nas tintas meu Mestre.
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O ser mais capaz de gozar plenamente o prazer de viver é, também, (talvez por isso mesmo), o mais carente de vida. Escassa e curta que ela é, manifestamente curta!
O Homem é o único animal de toda a criação que se descobre absolutamente infeliz. E a sua infelicidade resulta, precisamente, da mais-valia da sua condição- a razão, a consciência de si. Fado insuportável!
Os seus raros momentos de felicidade plena duram pouco, são fugazes, breves instantes... momentâneas iluminações numa penumbra continuada.
Vive, ... mas vive "acompanhado" da consciência cabal da frágil condição da sua existência... macaco nu e desamparado!
Vive, ... mas vive revoltado, amargurado, inconformado, perante a impotência de não comandar o seu devir, e, sobretudo, perante a lucidez de visão desolada da (sem) razão última da vida... que vive uma única vez.
Vive, ... mas vive dolorosamente o sem-sentido absurdo que retira, pesados todos os momentos, do estranho drama, trágico-cómico, que é a sua vida entre a dos outros, seus iguais em condição.
Frágil marioneta de deuses loucos, dramaturgos de uma qualquer peça dum grand-gignol cósmico.
O Homem é uma criatura precária, demasiado precária! Um ser provisório, com termo súbito (mas esperado!). Com apertado prazo de validade!
Em direcção certa ao não-ser.
A morte é a comarca final, enigma ameaçador, porque imensamente desconhecido e inteiramente indecifrável, e por isso efabulado por uma filosofia meta-humana, e ainda assim demasiado humana, melancólica de esperança. A morte provoca uma ontologia amargurada pelo desespero e a mágoa.
Perante a morte, como perante a vida, e o amor, é impossível, imperdoável, incontornável, ficar indiferente. É difícil permanecer incólume ao abeirar desse território terrível de medonho.
Porque o que fica, fica indelevelmente marcado como um lugar incompleto... magoado de falta, onde a única verdade imediata é o pesado e pungente silêncio do vazio, da perda, da ausência...
E a morte é o único e irrepetível momento da existência que é feito de absoluta individualidade… morremos sozinhos. Irremediavelmente!
A morte é também, finalmente, o momento das certezas últimas, ou melhor, da grande e cabal certeza que responde inteiramente ao nosso eterno questionar. O elucidativo momento em que as duas hipóteses absolutamente antagónicas e excluidoras do nosso devir existencial se transformam numa só resposta: - ou matéria que se transforma em matéria (e já não haverá disso consciência, pois ela se irá fundir no todo!); ou um puro espírito que animará um "além", que agora apenas pode ser sonhado pela esperança efabuladora, e nunca afirmado racionalmente, isto é pela vivência esclarecedora e confirmadora da experiência. Tudo ou nada! Deus ou um escuro sem fim! Um paraíso eterno de luz junto de um pai divino que nos abraça no fim... reconfortante quimera... ou pó juntando-se ao pó maior da terra.
Certo é haver morte depois da vida, como incerto é haver vida depois da morte.
O Homem é pequeno e efémero. De uma pequenez insignificante. De excessiva finitude. Tudo é fogo-fátuo, extinção súbita... ou reconversão, reciclagem! Sucessivos eternos-retornos do nada ao nada!
IN TERRIS NIHIL ÆTERNUS EST, escrito lapidar, sentença irrefutável, encontrado numa parede de uma casa de Pompeia, grafito nervoso e contudo sereno, talvez escrito por um romano lúcido, iluminado pela hora amarga, em derradeiro instante de verdade, imediatamente anterior à morte intempestiva nas lavas vulcânicas do Vesúvio.
"O Homem não passa de barro, pó, cinza". Eis o juízo edificante que encontramos em todos os textos mais antigos e sagrados das mais diversas comunidades humanas.
Mas a filosofia, a poesia, a arte, virtuosas gnoses, quando veículos da reflexão serena e dasapaixonada sobre a finitude do Homem, ensinam-lhe a sabedoria do desapego sensato das coisas e dos bens de que se rodeia - a elevação moral do despojamento -, e também, lucidez acrescida, a bondade do coração na generosa disposição para a fraternidade. "Estamos todos no mesmo barco, ... a mesma sorte; somos iguais marinheiros, ... irmãos de navegação!"
A filosofia, a poesia, a arte, ensinam-no a substrair-se da continuada condição de escravo cego do cansativo existir sobrio de todos os dias, do rotineiro e constante recomeço de guerras e escaramuças que movemos uns contra os outros... como se de obrigatória Tarefa de Sísifo se tratasse... outros Caim e Abel danados e amaldiçoados, mil gerações após.
A fama, vaidade máxima do Homem dura um "ai". Andy Warhol dixit: "15 minutos de fama"... quinze parcos minutos!
É precário tudo o que é humano.
E a filosofia aponta essa precaridade, essa escassez, que nos tabela e iguala inteiramente no fim do caminho. Fama, Glória, Fortuna são deixadas... ao pó dos tempos vindouros. (Sótãos desolados... memórias desbotadas, esmaecidas!... ou antigalhas para ostentação dos filhos e dos filhos dos filhos... novos enganos!).
Bens e riquezas são banalidades terrenas, trivialidades, vaidades, apenas!
Tudo passa... SIC TRANSIT GLORIÆ MUNDI.
Porque um pó, apenas pó, barro, terra, nos volvemos, todos iguais, no fim dos fins!
Acrescente-se, agora, algum alento que ameniza a dureza azeda e cruel destas irrefutáveis verdades, mórbidas e escatológicas que são, a reflexão naturante, panteísta, réstia de moderada satisfação cósmica-de Baruch Spinoza: "Os Homens são os modos finitos da Substância Infinita".
Remate final, andante presto deste retrato da tragédia humana, visto ao modo optimista prudente. Siga-se à letra o lema horaciano: CARPE DIEM (aproveita o dia). Vive o teu dia intensamente! Como se fora o primeiro, ou o último, ... o único!
Dá assim um passado vivido ao teu futuro! .
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Luís Calheiros. Vanitas Vanitatum Et Omnia Vanitas, 1999.O ser mais capaz de gozar plenamente o prazer de viver é, também, (talvez por isso mesmo), o mais carente de vida. Escassa e curta que ela é, manifestamente curta!
O Homem é o único animal de toda a criação que se descobre absolutamente infeliz. E a sua infelicidade resulta, precisamente, da mais-valia da sua condição- a razão, a consciência de si. Fado insuportável!
Os seus raros momentos de felicidade plena duram pouco, são fugazes, breves instantes... momentâneas iluminações numa penumbra continuada.
Vive, ... mas vive "acompanhado" da consciência cabal da frágil condição da sua existência... macaco nu e desamparado!
Vive, ... mas vive revoltado, amargurado, inconformado, perante a impotência de não comandar o seu devir, e, sobretudo, perante a lucidez de visão desolada da (sem) razão última da vida... que vive uma única vez.
Vive, ... mas vive dolorosamente o sem-sentido absurdo que retira, pesados todos os momentos, do estranho drama, trágico-cómico, que é a sua vida entre a dos outros, seus iguais em condição.
Frágil marioneta de deuses loucos, dramaturgos de uma qualquer peça dum grand-gignol cósmico.
O Homem é uma criatura precária, demasiado precária! Um ser provisório, com termo súbito (mas esperado!). Com apertado prazo de validade!
Em direcção certa ao não-ser.
A morte é a comarca final, enigma ameaçador, porque imensamente desconhecido e inteiramente indecifrável, e por isso efabulado por uma filosofia meta-humana, e ainda assim demasiado humana, melancólica de esperança. A morte provoca uma ontologia amargurada pelo desespero e a mágoa.
Perante a morte, como perante a vida, e o amor, é impossível, imperdoável, incontornável, ficar indiferente. É difícil permanecer incólume ao abeirar desse território terrível de medonho.
Porque o que fica, fica indelevelmente marcado como um lugar incompleto... magoado de falta, onde a única verdade imediata é o pesado e pungente silêncio do vazio, da perda, da ausência...
E a morte é o único e irrepetível momento da existência que é feito de absoluta individualidade… morremos sozinhos. Irremediavelmente!
A morte é também, finalmente, o momento das certezas últimas, ou melhor, da grande e cabal certeza que responde inteiramente ao nosso eterno questionar. O elucidativo momento em que as duas hipóteses absolutamente antagónicas e excluidoras do nosso devir existencial se transformam numa só resposta: - ou matéria que se transforma em matéria (e já não haverá disso consciência, pois ela se irá fundir no todo!); ou um puro espírito que animará um "além", que agora apenas pode ser sonhado pela esperança efabuladora, e nunca afirmado racionalmente, isto é pela vivência esclarecedora e confirmadora da experiência. Tudo ou nada! Deus ou um escuro sem fim! Um paraíso eterno de luz junto de um pai divino que nos abraça no fim... reconfortante quimera... ou pó juntando-se ao pó maior da terra.
Certo é haver morte depois da vida, como incerto é haver vida depois da morte.
O Homem é pequeno e efémero. De uma pequenez insignificante. De excessiva finitude. Tudo é fogo-fátuo, extinção súbita... ou reconversão, reciclagem! Sucessivos eternos-retornos do nada ao nada!
IN TERRIS NIHIL ÆTERNUS EST, escrito lapidar, sentença irrefutável, encontrado numa parede de uma casa de Pompeia, grafito nervoso e contudo sereno, talvez escrito por um romano lúcido, iluminado pela hora amarga, em derradeiro instante de verdade, imediatamente anterior à morte intempestiva nas lavas vulcânicas do Vesúvio.
"O Homem não passa de barro, pó, cinza". Eis o juízo edificante que encontramos em todos os textos mais antigos e sagrados das mais diversas comunidades humanas.
Mas a filosofia, a poesia, a arte, virtuosas gnoses, quando veículos da reflexão serena e dasapaixonada sobre a finitude do Homem, ensinam-lhe a sabedoria do desapego sensato das coisas e dos bens de que se rodeia - a elevação moral do despojamento -, e também, lucidez acrescida, a bondade do coração na generosa disposição para a fraternidade. "Estamos todos no mesmo barco, ... a mesma sorte; somos iguais marinheiros, ... irmãos de navegação!"
A filosofia, a poesia, a arte, ensinam-no a substrair-se da continuada condição de escravo cego do cansativo existir sobrio de todos os dias, do rotineiro e constante recomeço de guerras e escaramuças que movemos uns contra os outros... como se de obrigatória Tarefa de Sísifo se tratasse... outros Caim e Abel danados e amaldiçoados, mil gerações após.
A fama, vaidade máxima do Homem dura um "ai". Andy Warhol dixit: "15 minutos de fama"... quinze parcos minutos!
É precário tudo o que é humano.
E a filosofia aponta essa precaridade, essa escassez, que nos tabela e iguala inteiramente no fim do caminho. Fama, Glória, Fortuna são deixadas... ao pó dos tempos vindouros. (Sótãos desolados... memórias desbotadas, esmaecidas!... ou antigalhas para ostentação dos filhos e dos filhos dos filhos... novos enganos!).
Bens e riquezas são banalidades terrenas, trivialidades, vaidades, apenas!
Tudo passa... SIC TRANSIT GLORIÆ MUNDI.
Porque um pó, apenas pó, barro, terra, nos volvemos, todos iguais, no fim dos fins!
Acrescente-se, agora, algum alento que ameniza a dureza azeda e cruel destas irrefutáveis verdades, mórbidas e escatológicas que são, a reflexão naturante, panteísta, réstia de moderada satisfação cósmica-de Baruch Spinoza: "Os Homens são os modos finitos da Substância Infinita".
Remate final, andante presto deste retrato da tragédia humana, visto ao modo optimista prudente. Siga-se à letra o lema horaciano: CARPE DIEM (aproveita o dia). Vive o teu dia intensamente! Como se fora o primeiro, ou o último, ... o único!
Dá assim um passado vivido ao teu futuro! .
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6 comments:
peregrinos da caravana do tempo,
somos dor, riso, verbo e espanto
entre dois infinitos nadas.
somos? fomos.
estamos? partimos, que tem
pressa o barqueiro,
e o estígio rio, é já ali,
ao dobrar da esquina.
Artigo sublime. Parabéns ao autor, e o meu obrigado por aqui no-lo trazeres.
Um abraço.
Apenas o trouxe, com alguns cortes [que o Luís espero perdoará :)], mas sim, a fazer meditar. As palavras acompanhavam as Vanitas. Verei a página virtual e aqui a deixarei depois.
Obrigada e resto de boa semana
Aqui está a página. Todo o artigo é, sem dúvida, excelente.
http://www.ipv.pt/millenium/pers13_4.htm
soberbo e soberano texto!
sem tempo.
apenas a glória da inteligência apurada e da sensibilidade.
recato e êxtase.
obrigada T.
muito. pela leitura.
tua.
y.
É isso Y... sem tempo.
Beijo de boa noite.
Estilo ático, elevado, grandiloquente.
Diviso, ao ler o precioso texto, a figura de Heráclito de Éfeso, subtilmente disfarçada atrás das colunas do templo… e do tempo. E o velho filósofo volta a segredar-me ao ouvido que, na conciliação dos contrários, tudo é volátil, tudo morre, tudo se regenera, tudo se transforma em tudo: livros, espelhos, quadros e caveiras... colares, tiaras, harpas, ouro, pedras preciosas e frutos podres... jóias, veludo, coroas, clepsidras, sedas, pétalas caídas... tronos, armas, ampulhetas, flores mortas, esqueletos… enfim, a fortuna, a glória, a doença, a desgraça e a morte sempre de mãos dadas... ou não residisse a harmonia no equilíbrio dos contrastes e não na ausência destes.
Murmurou-me ainda, ao ouvido, o “pai da dialéctica”: “ficas mais tranquilo agora, depois de saberes que tudo se harmoniza, inclusive a vida e a morte, mesmo que a primeira tenha sido de “vanitas” e não de temperança?” –E eu respondi-lhe. Não, senhor! :)~
Obrigado pelo endereço da página. Gostei muito de ler… e guardei.
Boa-tarde!
P.S.: a maior parte dos substantivos do comentário foi retirada da página aqui trazida pela Teresamaremar.
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