Monday, September 3, 2007

Velhas Missivas

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Felicidade ou dor. Sussurros em palavras escritas. Códigos secretos. Viajam no tempo, atravessam o espaço.
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Menos austeros que as tradicionais missivas, porque mais breves, os cartões postais contam o amor. O amor que se consente ou se não atreve.
Romances em fotografia, onde falam o gesto e o olhar. Simulacro de cinema, em pose, em dramaturgia.
Jogo de olhares em falso pudor, a inocência que simula, porém desiste e se perde.
O léxico, reduzido e preciso. As flores, em código, visando o não engano. O coração, em significação.
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Teus olhos sensuais
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.
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As grandes comoções
Tu, neles, sempre espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas…
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Teus olhos imortais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais,
Que muitas bibliotecas!
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Cesário Verde, Lúbricas
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Amamos um ser mortal como se fosse imortal. Sim, somos mortais, somos filhos do tempo e ninguém se salva da morte. Não apenas sabemos que vamos morrer, mas que a pessoa que amamos também morrerá. Somos joguetes do tempo e dos seus acidentes: a doença e a velhice, que desfiguram o corpo e fazem perder a alma. Mas o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar de frente a morte. Por intermédio do amor roubamos ao tempo que nos mata umas quantas horas que transformamos às vezes em paraíso e outras em inferno. Das duas maneiras o tempo distende-se e deixa de ser uma medida. Para lá da felicidade ou infelicidade, embora seja as duas coisas, o amor é intensidade; não nos oferece a eternidade mas a vivacidade, esse minuto no qual se entreabrem as portas do tempo e do espaço: aqui e lá, e agora é sempre. No amor tudo é dois e tudo tende a ser um.
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Octávio Paz, in A Chama Dupla, Amor e Erotismo
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10 comments:

Anonymous said...

Curioso...ainda há poucos dias tive nas mãos postais deste género e achei imensa graça.

São ingénuos, galanteadores, românticos e talvez sinceros. Mas acima de tudo, retratam uma época, em que os jovens não utilizavam o "k" em vez de "q", e os idosos não eram "cotas".
Tempos de malaposta, de selos, de carimbos, de carteiros em azáfama, de espera ansiosa e demorada por notícias ou lembranças.

Obrigado por mais um belo momento.

Bandida said...

que surpresa boa! pensei que este teu blog já estava descontinuado...


:)


beijo teresamar


B.
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Pedrita said...

eu tenho umas fotos assim da mata hari que o 007 me mandou por email e um quadrinho que ganhei de uma amiga há uns anos. acabo de falar do livro babbitt do sinclair lewis que terminei de ler. beijos, pedrita

Zénite said...

Muito interessante!

Assim que vi as cartas, pensei que eram de Fernando Pessoa. Parece que não.

A morte chega cedo,
Pois breve é toda vida
O instante é o arremedo
De uma coisa perdida.

O amor foi começado,
O ideal não acabou,
E quem tinha alcançado
Não sabe o que alcançou.

E a tudo isto a morte
Risca por não estar certo
No caderno da sorte
Que Deus deixou aberto.


Fernando Pessoa

E agora o excerto de uma carta à sua Ophelinha:

Terrível Bébé
(...) Gostava de lhe dar um beijo na bocca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a bocca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu hombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa e a desculpa ser a fingir (...) e eu gostava que a Bébé fôsse uma boneca minha, e eu fazia como uma creança, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escripto por um ente humano, mas é escripto por mim.7


7. Carta no 45, 09.10.1929, p. 45.
(retirado da Net, de fonte que se me afigura credível)


O amor, em si é eterno. Cupido e sua Mãe Vénus assim no-lo dizem. Mudam os personagens, mudam as estações, muda o Mundo, mas, imperturbável, o Amor estará sempre presente ao longo dos milénios, ao longo da Eternidade.
O mesmo poderíamos dizer em relação ao seu antónimo, mas prefiro ficar por aqui. :)

Um abraço, amiga.

o Reverso said...

estou a cair de sono e vim só espreitar muito rapidamente.
para já fiquei encantado com os postais (acho que tenho um fétiche).
hoje, lá mais para a tarde, venho apreciar devidamente os blogues todos.

tolilo said...

Tenho uma colecção , encantadora, de postais antigos, também !

teresamaremar said...

Grata por todos os comentários.

Estes postais fazem parte de um montinho que a minha mãe guarda. Eram pertença da minha bisavó, alguns escritos ao meu bisavô, outros recebidos de familiares e amigas.
Alguns estão selados, o que os torna ainda mais testemunho de uma época.
Não fotografei os destinatários, mas são também muito interessantes as fórmulas de tratamento,

Cidadã...
Mademoiselle...
etc

o Reverso said...

teresamaremar, o seu mundo é enorme e belo.

MCA said...

Teresmaremar
Obrigadíssima. Gosto de sopa de peixe (e o meu marido, então, adora!). Vou experimentar.
Procurei nos seus blogues um endereço mas não encontrei. Resolvi deixar uma mensagem neste pois foi o que mais me atraíu.
Quanto ao açafrão, existem dois tipos completamente diferentes: o açafrão genuíno (o mais famoso e também mais caro é o da Mancha mas há outros igualmente bons e mais baraos) que consiste nos estames de uma flor. É muito caro porque a apanha é inteiramente manual, flor a flor, tem de ser realizada de madrugada e, para obter um quilo de açafrão, têm de se retirar os estames a milhões de flores.
O outro tipo (que se encontra à venda em pó) é o açafrão-das-índias. Esse é produzido a partir de uma raíz semelhante ao gengibre, dá a conhecida côr amarela mas o aroma é muito diferente.
Na paella, o açafrão usado é o genuíno e penso que podem ser usados os estames porque eles ficam muito molinhos e nem se encontram depois no prato.

Isabel Victor said...

Belíssimo !!!

Este sítio é ... muito inspirador.

Nunca tinha dado por ele. Ainda bem que o seu comentário suscitou esta viagem. Conhecia " Horas/deshoras " mas este ...

adorei.

Vou criar um elo no caderno para facilitar o caminho.

Abraço ***
Obrigada

IsabelVictor