Saturday, June 30, 2007

Sonhos em Turpor

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Uns entram, outros saem.
Uns escrevem,
outros conversam.
Outros, ainda, observam.
Bebem. Fumam.
Lugares de leitura, lugares de disseminação de ideias. Fórum de discussão e aprendizagem.
Os cafés são histórias contadas à mesa. Um turpor apossando-se do grupo. Tertúlia. Troca de culturas. Ideias em renovação. Lugares de criação.
Confissão.
Congeminação.
Transgressão.
Paroles conteuses…
Récit de table, Récit de Rêve.
A conversação é uma arte,
arte inseparável da arte de viver.
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A Brasileira do Chiado
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Nasce a Brasileira em 1905, loja de comércio de café e produtos de mercearia, chá, goiabada, pimenta, e viria a incluir no mesmo espaço, três anos depois, a primeira sala de café em Lisboa. Conquistou as Letras, a Música, a Pintura, as Leis e a contra-lei. Escritores e jornalistas. Poetas. Pintores e alunos de belas-artes. O público do São Carlos. Jornalistas, demais artistas. Revolucionários e visionários.
Fernando Pessoa e Almada Negreiros, Mário Eloy e Santa Rita Pintor, o viajado Sá- Carneiro, Souza-Cardoso. O grupo da transgressão.
Pessoa e Almada, a amizade. Partilhando ORPHEU, morrendo no mesmo quarto, no Hospital de São Luís.
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Eu gosto de procurar sozinho
para me encontrar com todos
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Almada Negreiros
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José Gutierrez Solana. La Tertúlia del Café Pombo, 1920
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Madrid. Sábados à noite, tempo de encontro da tertúlia do Café Pombo. Cenário vanguardista, criado em 1912. Almada encontrar-se-ía aí com o seu amigo Ramón Gómez de la Serna, escritor e génio do periodismo, que liderava o grupo. A conversa proliferava, um tema era proíbido: a política, a pedido do mestre. Aqui se juntavam ainda Ortega Y Gasset, Unamuno
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Les Deux Magots, Paris
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Brasserie Lipp, Café Flore e Les Deux Magots, o triângulo intelectual de Saint-Germain-des-Prés.
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Fundado em 1812, Les Deux Magots, começou por ser um armazém de novidades, depois café de licores, cerca de 1885, Rimbaud, Verlaine e Mallarmé aí se encontravam habitualmente. Criado em 1933, o Prix des Deux Magots vem marcar-lhe a vocação literária. É o lugar de tertúlia de Elsa Triolet, André Gide, Jean Giraudoux, Picasso, Fernand Léger, Prévert, Hemingway, Sartre, Simone de Beauvoir, e dos surrealistas liderados por André Breton.
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Café Flore, Paris
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Criado com a III República, o Café Flore apareceu em 1887. Cerca de 1913, Apollinaire faz nele o seu escritório. Breton, Camus, Sartre, Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Hemingway, Flore é a cátedra dos fantasmas literários. Os dadaistas e surrealistas aí preparam as suas revistas. Durante a ocupação, os escritores nele trabalhavam.
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Nous nous y installâmes complètement : de neuf heures du matin à midi, nous y travaillions, nous allions déjeuner, à deux heures nous y revenions et nous causions alors avec des amis que nous rencontrions jusqu'à huit heures. Après dîner, nous recevions les gens à qui nous avions donné rendez-vous. Cela peut vous sembler bizarre, mais nous étions au Flore chez nous
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Jean-Paul Sartre
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Eyre Crowe. Pope's Introduction to Dryden, at Wills' Coffee House, 1858
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Em 1652, Pasqua Rosee abre um café em St. Michael's Alley, Cornhill, Londres. Um nativo turco aprendera a preparar o café, trazido por Daniel Edwards. Imediato sucesso que depressa se tornou o centro da vida social, cultural, comercial e política londrinas. Num tempo em que o jornalismo nascia, o café era centro de comunicação de notícias e informação, lugar onde se distribuíam gazetas e panfletos. Muitos dos sucessivos cafés eram espaços de leitura, onde todos os homens eram iguais, e foram-se identificando com grupos de interesses. Lloyd's or Garraway's, na área financeira, era lugar de homens de negócios, St. James and Cocoa-Tree, em Westminster, era frequentado por políticos. Os cafés junto a St Paul eram frequentados por clérigos e intelectuais, discutia-se teologia e filosofia.
Will’s Coffee-house, o café fundado por William Urwin em Russell Street, Covent Garden, tornou-se o coração da Londres literária. Presididos os serões pelo poeta John Dryden, inspirador de poetas e escritores. Os mais importantes homens das letras, incluindo Alexander Pope e Joseph Addison. Discutia-se a forma do soneto e os méritos do verso branco.
Em 1754, o Bedford Coffee-house, Covent Garden, era o lugar de John e Henry Fielding, William Hogarth, Charles Churchill, Oliver Goldsmith, David Garrick e Samuel Foote, lugar de crítica e ideias. Muitos destes cafés vieram a tornar-se clubes exclusivos e privados.
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Café Tortoni. Borges, Gardel e Alfonsina Storni
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Fundado em 1858, o Café Tortoni é o mais antigo café de Buenos Aires. Lugar de poesia e tango. O nome veio de um café do Boulevard des Italiens, tertúlia literária da Paris de oitocentos, trazido pelo seu fundador, um imigrante francês Touan. O segundo dono, Celestino Curutchet, aceitou encantado o grupo de pintores, escritores, periodistas e músicos que constituíam o grupo de Artes e Letras liderado por Benito Quinquela Martin. En maio de 1926 formam o grupo La Peña e passam a usar “la bodega” da cave. Quadros, poemas e bustos contam a história dos que por lá passaram. Borges, Garcia Lorca, Alfonsina Storni, Gardel...
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Almada Negreiros. Auto-retrato com Grupo da Brasileira, 1925
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Minha mesa no Café,
Quero-lhe tanto... A garrida
Toda de pedra brunida
Que linda e que fresca é!

Um sifão verde no meio
E, ao seu lado, a fosforeira
Diante ao meu copo cheio
Duma bebida ligeira.

(Eu bani sempre os licores
Que acho pouco ornamentais:
Os xaropes têm cores
Mais vivas e mais brutais).

Sobre ela posso escrever
Os meus versos prateados,
Com estranheza dos criados
Que me olham sem perceber...

Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.

Ou acendo cigarros,
- Pois há um ano que fumo -
Imaginário presumo
Os meus enredos bizarros.

(E se acaso em minha frente
Uma linda mulher brilha,
O fumo da cigarrilha
Vai beijá-la, claramente...)

Um novo freguês que entra
É novo actor no tablado,
Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.

E o carmim daquela boca
Que ao fundo descobro, triste,
Na minha ideia persiste
E nunca mais se desloca.

Cinge tais futilidades
A minha recordação,
E destes vislumbres são
As minhas maiores saudades...

(Que história de Oiro tão bela
Na minha vida abortou:
Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou...).

Nos cafés espero a vida
Que nunca vem ter comigo:
- Não me faz nenhum castigo,
Que o tempo passe em corrida.

Passar tempo é o meu fito,
Ideal que só me resta:
P'ra mim não há melhor festa,
Nem mais nada acho bonito.

- Cafés da minha perguiça,
Sois hoje - que galardão! -
Todo o meu campo de acção
E toda a minha cobiça.
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Mário de Sá-Carneiro, in Cinco Horas
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5 comments:

Luís Galego said...

absolutamente emociante esta viagem por este post...

Anonymous said...

Tempos em que a conversa era o principal (único?) processo de comunicação. Tudo o mais era visto, ouvido, revisto, censurado.
Tempos em que as mesas de café eram palco de sonhos que , mesmo sem avançar, traziam novas esperanças a quem tinha capacidade mental para os ter.
Tempos em que se olhava para a mesa do lado, não por acaso, mas para confirmar a presença de um polícia.
Tempos de café, não de sumos naturais.
Tempos de jornais vespertinos, do "Diário de Lisboa", do "Popular", de "A Capital", e não de TV Guia.
Tempos de Ferreira de Castro, Hernâni Cidade, Almada, Aquilino, e não de Margarida Rebelo Pinto.
Tempos de S.Carlos repleto dos grandes cantores mundiais, não do refugo da arte lírica.
Tempos de Pessoa.

Outros tempos.

teresamaremar said...

Que deixam aromas, sabores, imagens. Todos estão lá, pendentes, nas páginas escritas, nas telas pintadas, prontos a renascer quando as lemos ou observamos. Quase as vozes, quase os olhares. Prontos a viver. Porque eternos. Assim o porvir saiba lembrá-los e de novo lhes dar vida. Acredito que, nas próximas gerações, haverá sempre alguém pronto a lhes dar vida.

isabel mendes ferreira said...

fantástica Mulher....



por isso tás no Piano...


______________:))))
beijo.

CHEVALIER DE PAS said...

fascinante!